domingo, 30 de maio de 2010



Fernanda Mena, Silas Marti. Folha de São Paulo. 09, maio, 2010 Ilustrada/Acontece, p. E8.

Arte lá em casa

Tendência nas grandes cidades do mundo, São Paulo ganha espaços culturais alternativos e experimentais em casas, galpões e apartamentos

FERNANDA MENA SILAS MARTÍ DA REPORTAGEM LOCAL


Tem duplo sentido o cartaz que diz "aluga-se" na entrada de um casarão perto da praça Panamericana, em São Paulo. Ainda à espera de novos moradores, o espaço tem artistas como inquilinos-relâmpago. Eles escondem projeções de vídeo na despensa, criam um lago artificial e até plantam batatas no banheiro."É um novo formato de exposição", diz Yara Dewachter, que organizou a mostra "Aluga-se" na mansão vazia que pertence à família de seu marido.Tendência em Nova York e outras capitais do mundo onde o circuito tradicional de artes visuais - museus e galerias - já não dá conta de toda a produção local, uma rede alternativa também desponta em SP.

São espaços expositivos em galpões industriais, garagens, porões esquecidos, casas e prédios vagos no centro da cidade. Se, por um lado, a cena é uma válvula de escape para uma produção artística, por outro serve para reabilitar espaços mortos na malha urbana. Outra consequência, intencional ou não, é inflar o valor de imóveis encalhados, como o casarão no Alto de Pinheiros, que passou anos fechado e sem ninguém. Depois de reformar um apartamento modernista na avenida São Luís, que recebeu uma exposição coletiva para marcar o fim das obras, o empresário Henrique Miziara acaba de comprar uma sala no edifício Califórnia, obra de Oscar Niemeyer e Carlos Lemos, no centro, que transformou em ateliê. Já passaram por lá mostras de Keila Alaver, Monica Rizzolli e, por último, Célio Braga."A ideia é que todo mundo possa pedir para ocupar esse espaço", diz Miziara. "Não quero que isso fique fechado."

No mesmo espírito, dois colecionadores compraram um andar de um prédio de Ramos de Azevedo na r. Líbero Badaró para expor seu acervo pessoal. Inauguraram o espaço no mês passado com uma individual do artista Sandro Akel -a exposição agora migrou para a galeria do artista, a Mendes Wood, nos Jardins, mas logo outras mostras ocuparão o loft neoclássico.

Mais acanhado, o porão de uma casa na Vila Mariana virou QG de um grupo de artistas. Batizado de Beco da Arte, o porão vêm recebendo séries de mostras e debates há um ano."Esse porão estava jogado às traças", lembra Gustavo Ferro, um dos líderes do Beco. "A gente ressignificou o espaço, é a ideia de arte no contexto da metrópole cheia de espaços abandonados", diz Nei Franclin, outro artista do grupo.

A ideia de cuidado com o espaço interno e público também está por trás do projeto Matilha Cultural, que reúne exposições, shows, palestras e cinema independentes e sem fins lucrativos, que versam sobre temas sócio-ambientais e urbanos.O espaço, que agora expõe os grafites de Binho Ribeiro, promove todo primeiro sábado do mês o "Vagaviva", projeto que ocupa o meio-fio em frente ao galpão com arte. "Queremos ser uma terceira via", diz a diretora do espaço, Rebeca Lerer.

Na Vila Mariana, uma dupla de arquitetos criou há um ano a Casa Contemporânea, sobrado dos anos 40 que transformaram em ateliê e espaço expositivo. Está em cartaz agora uma individual do artista Rogério Pinto e debates acontecem quase toda semana.Outro espaço, a Casa Tomada, tenta refletir sobre as práticas artísticas. O sobrado no bairro da Aclimação, transformado em ateliê e biblioteca, tem editais para selecionar seus ocupantes.Tainá Azeredo e Thereza Farkas, idealizadoras do projeto, escalam artistas e curadores para uma residência que vira exposição.